Serviços

Aumento do biodiesel no diesel pode impactar ainda mais a frota das empresas de transporte

Desde 1° de abril de 2023, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) decidiu adotar um período de transição para viabilizar o teor de 15% de biodiesel no óleo diesel B, com o objetivo de conferir mais previsibilidade e garantia ao abastecimento. Assim, foi mantido o antigo porcentual da mistura (de 10%) até 31 de março de 2023, previsto na resolução nº 25 de 2021 – sendo que a média mundial de mistura está em torno de 7%. Apesar da decisão ser condicionada à regulamentação imposta pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), diversas empresas do transporte rodoviário de cargas e suas principais entidades de classe estão preocupadas com o futuro dessas mudanças, visto que o aumento da porcentagem levará a um custo maior para as organizações.

Segundo Marcel Zorzin, diretor operacional da Zorzin Logística, o impacto do aumento do biodiesel no desempenho do caminhão não será muito saudável para a frota das empresas: “Nosso biodiesel tem uma das piores qualidades do mundo e a facilidade de contaminação deve ser levada em conta, já que haverá aumento do consumo do veículo, pois o combustível não tem queima perfeita, obrigando o caminhão a consumir mais diesel”. Todos os departamentos que regem o setor de transporte de cargas, junto com as transportadoras, entendem que o aumento do teor do biodiesel beneficiará o meio ambiente com menos poluição. Em contraponto, esses mesmos atores terão preocupações com seus veículos, visto que a utilização desse combustível exigirá mais consumo dos caminhões.

Para Marcel, a avaliação interna desse assunto não é bem-vista, já que o biodiesel pode causar sérios riscos às questões financeiras da empresa: “Por se contaminar muito facilmente, o biodiesel pode criar falhas no abastecimento, como exigência constante da troca de filtros, entupimento das mangueiras e problemas nas unidades injetoras, que precisarão ser trocadas porque algum agente contaminante se misturou com ele e acabou causando esses problemas. É fácil encontrar relatos de veículos com problemas mecânicos gerados normalmente por filtros entupidos”.

Além da dificuldade em relação à frota de caminhões da empresa com o aumento do consumo, o fator mais preocupante é o impacto que isso trará ao meio ambiente, pois elas acreditam que precisa haver outras soluções que sejam benéficas para ambos os lados. “Acredito que deveríamos ter um biodiesel verde de boa qualidade, antes de se alterar as porcentagens de mistura, pois o custo de uma transportadora é realmente influenciável por questões de combustível. Imagine aumentar a média de todos os caminhões do Brasil movidos a diesel? Se colocar isso em perspectiva, além do aumento de custo, temos o impacto ambiental desse acréscimo no consumo – e não vejo isso ser levado em consideração”, complementa Marcel.

Historicamente, o segmento do transporte rodoviário de cargas é um dos setores que mais sofre desafios. São diversas leis sancionadas que impactam a cadeia como um todo, considerando que ele representa sozinho mais de 65% da movimentação de produtos e mercadorias pelo Brasil. Com isso, as empresas sempre estão buscando iniciativas e planejamentos diferenciados para driblar essas dificuldades impostas.

Na Zorzin Logística, Marcel relata atividades que são cruciais para manter sua frota saudável: “Temos nosso próprio tanque de combustível e sempre estamos observando o filtro particular que instalamos, para quando o caminhão apresentar algum problema relacionado a isso. Trazemos ele para o monitoramento e verificamos se não tem algum vazamento ou entrada de água em algum sensor da boia ou da boca de abastecimento, entre outros itens que fazem parte da nossa manutenção”. Por fim, ele pondera sobre a importância da empresa estar atenta a esses cuidados, para não ter surpresas indesejáveis: “É bom sempre ter um olhar clínico nessas situações, pois um filtro sujo pode causar diversas avarias no caminhão – questão que está ligada diretamente à segurança viária”.

PRESSÃO – Nas últimas semanas, buscando pressionar membros do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), a indústria do biodiesel no Brasil tem chamado a atenção dos meios de comunicação com notas agressivas e distorcidas. Utilizando-se da urgência na atenção ao meio ambiente e à adoção de práticas sustentáveis, esses agentes econômicos buscam acobertar seus reais interesses: garantir uma reserva de mercado contra a concorrência de biocombustíveis mais modernos. O que era inicialmente uma proposta de economia solidária e de incentivo ao uso de energia limpa, além de fonte de renda pra agricultura familiar e para o agricultor de baixa renda (com o plantio de palma e mamona para a produção de biodiesel), transformou-se num negócio rentável apenas para os grandes produtores.

O biodiesel feito no Brasil é o de base éster. A característica química dele gera problemas como o de criação de borra, com alto teor poluidor. Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, máquinas agrícolas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais e motores estacionários. Outro dano ocasionado pela borra é o congelamento e contaminação do insumo. O biodiesel cristaliza em baixa temperatura em motores quando as situações climáticas envolvem variação de temperatura e umidade.

Com a mesma soja e demais biomassas que se faz o biodiesel de base éster, é possível fazer o diesel verde (HVO), este sim, sustentável e funcional. Mas as discussões sobre o incentivo à produção e o uso de diesel verde não evoluem também por questões econômicas e políticas. Quem produz o biodiesel não quer o HVO. A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial pra produzir diesel verde. Os responsáveis pela produção de biodiesel buscam empurrar essa realidade para debaixo do tapete.

Malagrine

O tema do uso do biodiesel e a sua atual forma de produção no Brasil precisam ser revisados. Isso implica na promoção de estudos para identificar os impactos em toda a cadeia produtiva do Brasil, dos motores dos ônibus e caminhões, passando pelo distribuidor e pelo revendedor do diesel, até o transportador. A indústria automotiva tem sofrido consequências com as avaliações de padrão de qualidade: perda da eficiência de motores, aumento do consumo de diesel e, consequentemente, mais poluição. Donos de postos de combustíveis, além de problemas que enfrentam nas bombas, encaram a ira de motoristas que abastecem com a mistura de biodiesel e voltam para reclamar de pane em seus veículos, como se o combustível estivesse adulterado.

Caucasian Truck Driver Behind the Wheel of Semi Truck. Transportation Industry Theme. CDL Driver.

O transportador tem se deparado com problemas mecânicos relacionados ao descompasso entre o teor do biodiesel e as limitações das tecnologias veiculares e peças automotivas. Além de gastar mais com um combustível que não é ambientalmente sustentável, ainda fica por vezes parado na estrada, perdendo tempo e aumentando seu prejuízo. Esses prejuízos se dão em virtude do desgaste prematuro de peças veiculares; da descompensação ambiental das emissões de poluentes; e da onerosa participação do biodiesel no preço final do diesel comercializado. Não há mais tempo para ‘achismos’ (qual é a mistura ambientalmente mais viável, afinal?) nem é momento, diante de tantas dificuldades já enfrentadas, do país se curvar aos interesses econômicos de um setor que, sob o falso pretexto socioambiental, só quer lucrar mais e mais.

O Brasil deve olhar para a experiência mundial. A mistura para o consumidor final, para os motores funcionarem a contento, garantindo a redução de emissões, é de 7% na Comunidade Europeia; de 5% nos Estados Unidos, no Japão e na Argentina; e de 1% a 5% no Canadá. E esses países estão na linha de frente das preocupações climáticas. Aqui, já se pratica um percentual absurdo de 10%. Ouvir todos os setores que possam contribuir com o entendimento técnico do que representa a adição do biodiesel ao diesel nas atuais configurações é dever do Governo e do Legislativo brasileiros, porque isso afetará toda a sociedade.

Auto Destaque

O Caderno Auto Destaque é publicado ininterruptamente desde 1987 no jornal Diário do Pará, apresentando lançamentos e tudo mais sobre o mercado automotivo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo
Translate »

Adblock detectado

Por favor, considere apoiar-nos, desativando o seu bloqueador de anúncios